A
ÉTICA CALVINISTA
Presb.
Rubens Cartaxo Junior
Igreja
Presbiteriana de Natal
JOÃO
CALVINO (1509-1564).
João Calvino foi o maior teólogo da Reforma e seu pensamento influenciou
profundamente a ética e a cosmovisão do mundo ocidental. Seu ponto de partida é
que a verdade advém da Escritura. Para os reformados a Escritura não é só a
base para a religião, mas é base para toda a vida do ser humano, daí o
aforismo: “A Bíblia é a nossa regra única de fé e prática”.
A ética calvinista é baseada na
revelação. Certo e errado são definidos a partir do que Deus disse em Sua
revelação, nos Dez Mandamentos, por exemplo, e não mediante uma descoberta
empírica da lei natural, ou aplicando-se o formalismo lógico de Kant, ou seja,
a ética reformada não é autônoma, mas baseia-se na Revelação de Deus na
Escritura.
Em vista disso o conceito de criação-queda-revelação é essencial no
calvinismo. O homem foi criado perfeito por Deus, tendo Ele lhe dado um mandato cultural para ser gerente do
mundo criado. Mas o homem pecou e caiu de seu estado primitivo. Deus, na sua
misericórdia, formula o plano da redenção em Cristo. O conceito de depravação
total é muito importante no calvinismo.
Na ética calvinista, o homem não
vive para si mesmo e nem é virtuoso para alcançar a felicidade. O homem foi
criado por Deus e para Deus. Seu propósito é glorificar a Deus. Esse conceito
perpassa pela forma calvinista de ver o trabalho, a vida familiar, a vida
social, as artes, etc. Afinal, toda a existência é submetida ao exame das
Escrituras, pois toda a criação existe perante Deus (coram Deo).
Em vista disso, o Calvinismo,
como uma cosmovisão, influencia todas as áreas da vida humana. A ética calvinista
não se resume a transformar o homem em um ser afável e que se relaciona com
cordialidade com os outros, mas afeta todas as facetas de sua vida. Calvino
asseverava que o cristão deveria envolver-se para glória de Deus em todas as
áreas da existência, como a educação, economia, política, artes, ciência.
Assim, Calvino propôs mudanças
nas estruturas socioeconômicas e políticas a partir das Escrituras, propondo
ações que contemplassem a paz, a justiça e a harmonia social. Nisso há uma
posição diametralmente oposta à perspectiva católico-romana medieval, que via o
mundo como algo feito por Deus daquela maneira e não havia como transformá-lo.
Para Calvino, o mundo (sociedade) devia ser transformado para aproximar-se do
pretendido por Deus e revelado nas Escrituras.
Pode-se, portanto, falar de uma
ética-social em Calvino, e mais importante, uma ética-social biblicamente
orientada ou teoreferenciada, utilizando o modelo do mandato cultural, cujos elementos veremos a seguir.
1. Os males sociais brotam da
condição da natureza caída do homem. A estrutura social está
comprometida por causa da pecaminosidade, precisando, portanto, de libertação.
Tal libertação só virá se antes for precedida de uma reforma espiritual.
2. A assistência social tem seu
fundamento na imago Dei. Inobstante a
imagem de Deus no homem ter sido ofuscada e arranhada pelo pecado, o homem
continua tendo uma dignidade intrínseca e isso justifica a ação social
destinada a crentes e descrentes, mesmo àqueles que não são merecedores.
3. Se Cristo é Senhor de tudo, sua
soberania por intermédio dos crentes, deve se estender a todas as áreas da
vida. Aliando o conceito do Senhorio de Cristo ao mandato cultural, Calvino ensinava que a atuação cristã no mundo
deve ocorrer tanto por meio da Igreja, via diaconato, quanto mediante os
crentes em favor dos que sofrem.
4. Os cristãos, por intermédio da
Igreja ou mediante sua atuação pessoal, devem lutar contra toda forma de
opressão e injustiça, denunciar os abusos e solicitar ações do Estado,
requerendo das autoridades medidas sociais que favoreçam os pobres e
injustiçados. É importante lembrar que o primeiro hospital público da Europa
foi fundado em Genebra por influência de Calvino.
5. Dentre as transformações sociais
preconizadas por Calvino, temos a Educação.
As primeiras escolas públicas para meninos e meninas foram fundadas nos
territórios alemães luteranos e na Genebra calvinista. Calvino insistia em que
todos deveriam aprender a ler e escrever para terem acesso à Escritura e assim
pudessem ser formados para o serviço a Deus na sociedade.
6. Para Calvino, o ser humano foi
chamado para viver em sociedade e deve contribuir com essa sociedade. Assim, a
sociedade deve ser moldada pelos preceitos da Escritura e as dádivas recebidas
devem ser empregadas em benefício da coletividade. Dessa forma, o calvinismo
condena a ganância e o egoísmo. Ao mesmo tempo em que exalta o trabalho, afirma
a necessidade de uma vida frugal e sem ostentações, para que, com o fruto do
trabalho, o homem possa sustentar sua família de forma digna e ainda tenha com
que socorrer o necessitado.
7. O Estado deve criar as condições
necessárias para a assistência ao pobre, garantindo a existência de justiça e
honestidade. Os recursos amealhados pelos impostos cobrados pelo Estado devem
ser empregados para o benefício do povo e não para o deleite dos poderosos
governantes. Caso o Estado assim não proceda, Calvino via isso como uma
situação que autorizava a desobediência e a resistência ao Estado.
8. Os abusos de poder, injustiças e
opressão devem sofrer a oposição dos cristãos, sob pena de se verem como
cúmplices das injustiças sociais.
9. Calvino assevera a doutrina da Vocação. Opondo-se à mentalidade
medieval católico-romana, que afirmava a vocação apenas para o serviço
eclesiástico, Calvino afirma que Deus chama cada um para desenvolver um
trabalho para o bem da sociedade e para glorificar a Deus através dessa
vocação. Assim, o trabalho deixa de ser visto como algo degradante e passa a
ser visto como algo dignificante. Assim, se eu fui chamado para ser sapateiro,
devo ser o melhor sapateiro, para a glória de Deus.
A ociosidade, valorizada no
medievo, passa a ser execrada na sociedade calvinista, pois é através do
trabalho que o homem fiel em Cristo transforma sua sociedade e promove o
desenvolvimento cultural e social. Através do exercício do trabalho, o homem
desenvolve seus dons e a mútua comunicação dos dons fornece os elementos
necessários para o bem-comum.
Para
Calvino, o trabalho não é opção. Por essa razão, mendigos não eram bem-vindos
em Genebra. Os mendigos tinham duas opções: 1. Aprender uma profissão e
trabalhar; 2. Ir embora de Genebra. No primeiro caso, a diaconia ensinava o
ofício e emprestava o dinheiro para a aquisição das ferramentas e para os
primeiros aluguéis de um imóvel para a montagem da oficina. Em Genebra não
havia bolsa família.
Aliás,
para Calvino, só havia uma forma de combater a pobreza, através do trabalho e
do seu fruto. As distribuições de donativos eram apenas para um socorro
imediato, mas o pobre socorrido precisava começar a trabalhar o mais rápido
possível para que ele também pudesse ser um contribuinte com a sociedade.
Muitos,
a partir do livro de Max Webber, A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, têm associado Calvino com o
Capitalismo, o que não é verdade, principalmente pelo fato de que o Capitalismo
busca o lucro pelo lucro e busca a acumulação egoísta de capital, coisas que
Calvino nunca ensinou.
Calvino
sempre afirmou que o cristão deve ter uma vida frugal e sem opulência ou
ostentação, filhotes do Capitalismo. Calvino via o trabalho como uma forma de o
homem sustentar dignamente sua família e colaborar com a coletividade. Assim, o
excedente não deveria ser simplesmente acumulado, mas utilizado para o amparo
do pobre, a quem Deus havia colocado no mundo para dar uma oportunidade de
serviço a quem tinha recebido mais da parte do Senhor.
Ademais,
o trabalho era visto por Calvino como uma forma de glorificar a Deus e assim,
humanizar o homem, que cumpria o mandato cultural e o seu propósito através do
trabalho. Assim, trabalhar simplesmente pelo lucro em si, acabaria desumanizando o homem, fazendo-o pecar
por não glorificar a Deus.
Entrementes,
Calvino admitia o lucro para reinvestir no negócio e no caso do empréstimo para
fomentação de um novo negócio. Raciocinava Calvino que se eu tomo um empréstimo
para montar uma ferraria, é justo que quem me emprestou o dinheiro venha a
usufruir do meu trabalho, que só acontece por causa do empréstimo concedido.
Porém,
no caso do empréstimo para socorrer alguém que está passando necessidades, o
lucro era terminantemente condenado por Calvino.
A
ética calvinista relativa ao trabalho e ao lucro permitiram que os países que a
adotaram pudessem ter um desenvolvimento social, político e econômico que não
foi alcançado pelos países que continuaram influenciados pela ética
católico-romana de cunho medieval.
Vê-se,
portanto, que, enquanto Igreja Presbiteriana, temos uma herança riquíssima e
que deveria nos trazer grande satisfação, e que deveria ser retomada,
primeiramente em nossas vidas e, se Deus assim o permitir, por toda a
sociedade.
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