O SISTEMA DE GOVERNO PRESBITERIANO E A ELEIÇÃO DE OFICIAIS (por Rev Flávio Américo)

Antiga Sarça Ardente da IPB, usada até os anos 1950. A inscrição, em latim, afirma: "e não se consumia". A ideia de uma sarça que queima e não se consome é antiga como lema do presbiterianismo e de outras igrejas reformadas (huguenotes e reformados holandeses) e remonta ao XVI, quando muitos dos nossos irmãos foram queimados vivos por causa da fé bíblica que defendiam. É como uma declaração de que os inimigos de Cristo podem nos queimar, mas a Igreja não se extinguirá, porque o que realmente queima nela é a presença santificadora do Todo-Poderoso.


A primeira coisa que precisamos entender sobre o assunto em questão, leitor, é que o governo presbiteriano não é uma democracia. O poder na Igreja não emana do povo. Não elegemos oficiais para que eles nos representem e se empenhem na manutenção de nossos interesses. A Igreja só tem uma fonte de poder, que é Cristo, o cabeça do povo redimido (Ef 1.22-23, Cl 1.18). 

Sendo assim, ao indicarmos ou elegermos os oficiais da Igreja (presbíteros ou diáconos), devemos estar conscientes de que não estamos buscando os mais capazes/influentes ou os que melhor se encaixam em nossos planos. Os oficiais são aqueles que Cristo, Senhor da Igreja, chamou e capacitou para o serviço, segundo Guy Waters, “a eleição reconhece o que já está estabelecido – esses homens específicos foram abençoados por Cristo para o ofício”.[i]

Esse chamado (vocação) para o oficialato implica um testemunho interno, ou seja, o oficial entende que Cristo o chamou para aquela tarefa, e implica também que tal homem foi capacitado pelo próprio Jesus para atuar num determinado ofício (At 6. 1-6, 1Tm 3.1-13 e Tt 1.5-9). Junto ao chamado interno e à capacitação para o ofício, Nosso Senhor também convoca seus oficiais para o serviço por meio de indicação e do voto da Igreja, o que é chamado de vocação externa. 

Os diáconos e presbíteros são chamados oficiais porque eles são os representantes do Rei. Quando eles são ordenados (separados e designados para exercer autoridade no ofício para o qual foram chamados e eleitos), os presbíteros colocam as mãos sobre o novo oficial não para transmitir dons ou poder, mas como símbolo de reconhecimento de que Jesus o chamou. 

A Bíblia ensina que existem, atualmente, isto é, após a era apostólica, apenas dois tipos de oficiais na Igreja: presbíteros e diáconos. Diferentemente de outros cristãos, os presbiterianos entendem que apóstolos não existem mais (ao contrário do que pensam as igrejas apostólicas contemporâneas) nem possuem sucessores na figura de bispos (em oposição aos católicos e anglicanos). Jesus governa os eleitos por meio de dois tipos de oficiais, os diáconos e os presbíteros, sendo que esses últimos são diferenciados, não em importância, mas em tarefas, entre docentes e regentes. 

Da leitura do Atos (principalmente de At 2.42-46 e 6.1-6), os presbiterianos entendem que o ofício diaconal existe para auxiliar a igreja a viver a comunhão dos santos no aspecto específico da partilha dos bens materiais no auxílio dos necessitados da Igreja. Essa restrição ao âmbito da comunidade da fé decorre da leitura de Atos 6.1-6. Conforme Waters, “a vocação dos diáconos é assistir à igreja em dar expressão à comunhão dos santos... Os diáconos são chamados para servir à igreja, não ao mundo em geral”.[ii] Isso não significa que a junta diaconal (o conselho dos diáconos) não possa usar os fundos da igreja para ajudar pessoas de fora. Muito menos significa que os diáconos, como crentes que são, devam fechar os olhos à necessidade do próximo não cristão. A questão é de foco, não de abrangência. 

Outro aspecto importante do diaconato é que ele é um ofício espiritual. Por mais que se exija dos diáconos que eles sejam pessoas práticas e sábias no uso dos recursos materiais, “a igreja precisa cuidar para que esses homens demonstrem o tipo de sabedoria e praticidade que acompanham e manifestam verdadeira piedade”.[iii]

O presbiterato tem por tarefa (A) caminhar junto da igreja e cuidar dela (daí serem chamados pastores ou bispos, esse último termo significando supervisor); (B) exemplificar zelo, seriedade e prudência, bem como governar corretamente a casa de Deus (por isso são chamados presbíteros ou anciãos); e (C) ensinar a sã doutrina aos crentes e defendê-la de ataques externos (o serem chamados de mestres decorre dessa atuação). 

Os presbíteros docentes, geralmente chamados de pastores ou reverendos, são os ministros do Evangelho e dos Sacramentos. Eles não são mais santos ou possuem autoridade maior do que os outros presbíteros, o que os diferencia é que eles se afadigam mais no ensino da Palavra de Deus, fazendo com que muitas vezes atuem com dedicação exclusiva a essa tarefa e sejam, por isso, mantidos financeiramente pelas comunidades nas quais trabalham (veja 1Ti 5.17). 

Por outro lado, os presbíteros regentes, mais conhecidos apenas como presbíteros, não são apenas administradores. Além de governar, eles devem cuidar e instruir a comunidade. Talvez essa seja uma das grandes falhas no presbiterianismo brasileiro, a saber, a crise no nosso presbiterato, pois muitos presbíteros regentes não se vêem e/ou não são vistos como pastores do rebanho, o que faz com que eles não cuidem nem ensinem ao povo, mas atuem apenas como algo parecido com acionistas de empresas. Essa má compreensão do presbiterato também faz com que homens sejam escolhidos para esse ofício por motivos errados, como o serem ricos ou serem empresários, engenheiros, juízes, advogados, médicos ou outras profissões de elevado status social. 

É importante que fique claro que o diaconato não é uma patente abaixo do presbiterato. A questão não é gradação de idade, sabedoria, poder ou qualidade, mas diferença de funções, cada uma exigindo dons específicos e cada uma sendo ocupada por homens chamados por Jesus. Um idoso pode ser diácono e um jovem pode ser presbítero. Um rico pode ser diácono e um pobre, presbítero. Um doutor pode ser diácono e alguém que conhece e sabe ensinar a sã doutrina, mesmo sem títulos acadêmicos, pode ser presbítero. A questão que nos cabe, como Igreja, é discernir quem Cristo chamou para o quê. 

Encerro, irmão leitor, convidando-o a orar para que Jesus nos mostre os homens que ele escolheu e capacitou para o serviço. Nem sempre é fácil discernir, numa eleição eclesiástica, entre o que é desejo do meu coração pecaminoso e o que é a santa vontade divina. Ler as Escrituras, orar de forma regular e persistente pedindo a orientação do Santo Espírito e conversar com outros irmãos para buscar discernir o que o Deus Trino está fazendo com nossa comunidade são exercícios que ajudam muito.



[i] WATERS, Guy Prentiss. Como Jesus governa a igreja. São Paulo, Cultura Cristã, 2018. p. 71.
[ii] Idem., p. 105.
[iii] Idem., p. 104.

Comentários

Weber disse…
Querido Flávio, falou e disse. Muito bom texto. Obrigado!
Flávio Américo disse…
Valeu, querido. Grande abraço e que Deus abençoe vc, sua família e a igreja.